
12.04.2025
Primeiro dia de aula. Aquele momento em que a gente chega com caderno novo, ansiedade reciclada e a esperança de que finalmente encontrou o curso certo, o lugar certo, a turma certa. Spoiler: talvez tenha mesmo encontrado.
Antes de seguir, preciso confessar: essa não é exatamente a minha primeira vez tentando mergulhar na arteterapia. Anos atrás, me aventurei por algumas aulas no IJEP — Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa. Três encontros, para ser exata.
Mas, naquela época, eu ainda estava tateando no escuro, com mais dúvidas do que desejo, mais expectativa do que disposição real para mergulhar. Acabei saindo antes de me deixar ser tocada de verdade. Talvez porque eu ainda não tivesse entendido que a arteterapia não exige perfeição — só presença.
Hoje, volto com outra postura. Não só mais decidida, mas com uma vontade legítima de fazer parte disso, com o coração mais aberto e a bagagem de quem já entendeu que certas formações são, acima de tudo, transformações.
E quem abre essa nova jornada é Maria Cristina Mariante Guarnieri — mas já fomos devidamente instruídos a chamá-la de Cris. E, sinceramente, é o nome perfeito.
Nada mais justo para uma professora que une inteligência, presença de palco, humor afiado e uma capacidade invejável de conduzir uma sala de adultos experientese esperançosos, como se fosse um grupo de velhos amigos prestes a iniciar uma revolução silenciosa: a de se expressar pela arte.
A manhã começou como todo bom início de jornada deveria começar: com teoria. Mas não qualquer teoria. Teoria boa, densa, que conecta arte, psique, história e até religião, o que faz todo sentido, considerando que a Cris é Doutora em Ciências da Religião.
A gente pisca e está refletindo sobre o inconsciente coletivo, o papel da arte nas culturas ancestrais e a linha tênue entre o simbólico e o terapêutico. Tudo isso antes do café da manhã digerir direito.
E quando o cérebro começou a chiar, achando que viria mais uma rodada de conceitos? Eis que ela propõe uma dinâmica. Em duplas.
Cinco minutos para conhecer o outro e, depois, apresentá-lo como se fosse você. Sim, com voz, trejeitos e direito a esquecimentos cômicos.
Foi tão divertido quanto desconcertante. Trocamos nomes, confundimos histórias, alguns se esqueceram do próprio curso e outros quase viraram terapeutas de si mesmos no processo.
E o gelo do início? Quebrado. Com estilo.
Após o almoço e a digestão dos conceitos da manhã (e do feijão tropeiro), voltamos para a segunda rodada: a arte como caminho de cura.
Não tem como falar desse tema, sem mencionar Nise da Silveira, a mulher que olhou para a loucura e viu potência criativa. Que enfrentou eletrochoques com pincéis, e nos ensinou que desenhar não é sobre técnica, é sobre alma.
E então veio a prática. Aquela que nos faria entender, na pele (ou melhor, no traço), o que é estar em um setting de arteterapia.
A missão era simples, pelo menos no papel: fazer um desenho que nos representasse naquele momento. Simples… até você encarar uma folha em branco e pensar “quem sou eu agora?”. Aí vem o caos criativo.
Teve gente que desenhou um autorretrato (ousados), outros fizeram objetos simbólicos, borboletas (claro que teve borboletas), casas, olhos, corações, ou rabiscos que pareciam gritos silenciosos, e no fim, alguns compartilharam suas criações.
Foi aí que a mágica aconteceu:
— “Isso aqui não sou eu.”
— “Isso aqui sou eu demais.”
— “Agora que olho, entendo o que eu estava sentindo.”
Na nossa primeira aula, entendemos que a arteterapia começa exatamente nesse ponto cego entre o que mostramos e o que aparece.
Terminamos em silêncio, mas cheio de camadas. Uma sensação de que começamos algo que vai muito além de um título no currículo.
Eu saí com a cabeça cheia, o coração bagunçado e a certeza de que, mesmo sem saber nadar, já estou com os pés na água. E dessa vez, não vou fugir da correnteza.