
17.05.2025
Segunda aula da pós-graduação em Arteterapia. Tema: Persona e Sombra na psicologia junguiana. Luciana Antonioli, professora, médica, junguiana, antroposófica e absolutamente capaz de olhar dentro de você com um simples levantar de sobrancelha.
Começamos com o estudo da psique, esse organismo vivo e misterioso que habita o corpo, mas vai muito além da carne e da razão.
Jung já dizia, com a serenidade de quem sabia onde estava se metendo, que não somos um quebra-cabeça tentando se montar. Somos inteiros desde o começo.
O desafio? Não nos desintegrar no processo.
E ali estava eu, prestes a mergulhar na arte delicada de não me fragmentar em pedaços, ao menos não mais do que o necessário para me reorganizar de outro jeito.
Porque, sejamos honestas: todo processo terapêutico exige um pouco de caos, um tanto de rendição e, se possível, um cafezinho forte no intervalo.
Depois veio ela: a sombra.
Não a poética. Nem a fresca do fim da tarde.
Mas a sombra interna, aquela parte da gente que a sociedade sugere gentilmente que a gente esconda, e que, obedientes, escondemos mesmo.
Raiva, inveja, ressentimentos, desejos impronunciáveis, impulsos camuflados em etiqueta. Tudo isso vai para a sombra como se estivéssemos fazendo uma faxina: joga ali no quartinho e fecha a porta.
A diferença? O quartinho grita. E às vezes sabota a casa toda.
Jung, novamente certeiro, aponta que a sombra e o ego crescem juntos, como irmãos siameses que fingem não se conhecer, mas tem a persona como aliados dessa cumplicidade. Uma máscara socialmente aceita que usamos para circular, lapidada desde a infância.
E a sombra, desventurada, cresce com o que sobra. Com o que não pôde ser.
E foi nesse embalo filosófico que a professora nos convidou, com a maior naturalidade do mundo, a deitar e deixar que outra pessoa fizesse uma máscara de gesso do nosso rosto.
Sim, você leu certo. Gesso. No rosto.
Frio. Úmido. Lento.
E, surpreendentemente, simbólico.
Deitei com os olhos fechados, enquanto mãos cuidadosas iam cobrindo meu rosto com camadas finas.
Confiar na respiração.
Confiar no outro.
Confiar no processo.
O silêncio da sala era quase cerimonial. O peso leve do gesso foi se tornando uma metáfora palpável daquilo que tantas vezes vestimos para funcionar no mundo:
Um molde.
Uma proteção.
Uma expressão escolhida.
E ali, entre uma camada e outra, me vi pensando:
Quantas máscaras eu já usei sem nem perceber?
Quantas ainda uso porque parecem necessárias?
E quantas já endureceram tanto que mal deixam espaço pra quem eu sou?
Ao retirar a máscara, encarei um espelho estranho. Não era meu reflexo, mas era uma parte de mim. A persona, agora concreta. Uma casca que serviu, mas que talvez precise ser revista.
A arte da terapia, naquele instante, me revelou sua beleza crua.
Não é sobre arrancar nada à força. É sobre perguntar com cuidado:
“Você ainda me serve?”
“Ou estou apenas encenando uma versão de mim que já não me representa mais?”
O gesso secava na mesa.
E eu ali, com o rosto limpo, mas os pensamentos cheios.
A sombra havia sido nomeada.A máscara, concretizada.
E a pergunta, lançada.