
06.08.2025
Essa semana levei para a sessão com a Ana — minha arteterapeuta, cúmplice silenciosa e testemunha das minhas epifanias semanais — um tema delicado, quase clichê, mas inevitável: o tal do cordão umbilical. Aquele que não se corta com bisturi, nem com o tempo, nem com três sessões de análise por semana (infelizmente).
A conversa começou mansa, mas logo estávamos as duas imersas em um dos mitos mais simbólico da história da humanidade, uma das histórias mais profundas sobre perdas inevitáveis, amadurecimento e renascimento.
Perséfone, uma menina que só queria colher algumas flores em paz, mas distraída entre risos e perfumes, foi arrastada por Hades para o submundo, sem o menor sinal de licença.
Deméter parou tudo. A terra não dava mais frutos. Até que a filha voltou. Mas não voltou igual: voltou mulher, voltou rainha.
Ela comeu a romã, e com isso selou o pacto com seu mundo interior. Fez o luto da inocência. Assumiu a coroa da mulher que retorna das próprias profundezas.
E ali estava eu, diante da metáfora mais escancarada de separação entre mãe e filha:
Deméter, a mãe devotada, mas incapaz de aceitar que a filha agora deseja caminhar com os próprios pés.
Perséfone, a jovem que precisa atravessar a sombra para deixar de ser extensão do ventre materno e tornar-se, enfim, mulher de si.
E Hades… Hades é aquele aspecto sombrio da vida que chega sem ser convidado — e ainda assim, transforma.
Esse mito nos mostra que não há renascimento sem morte simbólica. Não há luz que não tenha conhecido o breu. E, infelizmente, não há corte umbilical que não sangre um pouco — mesmo que tardiamente.
Porque crescer, sejamos sinceras, não tem nada de lírico. A individuação exige perda, exige silêncio, exige uma travessia que ninguém pode fazer por nós.
Talvez todas nós sejamos, em alguma medida, filhas tentando nos desvencilhar da voz de uma Deméter, que ainda sussurra que é perigoso ir sozinha.
Mas a cada sessão, a cada mergulho e retorno, vamos ganhando espaço dentro de nós mesmas. E um dia, com ternura e firmeza, somos capazes de dizer:
“Obrigada por tudo, mãe. Mas a partir daqui, eu mesma cuido das minhas flores.”